sexta-feira, 30 de maio de 2014

‘Os guerreiros vitoriosos, primeiro ganham a guerra e depois vão guerrear, enquanto os perdedores primeiro vão à guerra e então tentam ganhar (...). Se você conhece o inimigo e a você mesmo, não precisa temer o resultado de centenas de batalhas’. Sun Tzu

segunda-feira, 5 de maio de 2014

'True philosopher'
Luiz Felipe Pondé

Uma máxima moral: a virtude é silenciosa e cresce sempre num terreno que lhe é hostil 

"Há uma luta entre a luz e as trevas", diz o detetive Rust Cohle (Matthew McConaughey) na série "True Detective", na última cena do último episódio da primeira temporada.

Já disse e repito que as séries americanas são hoje, de longe, o maior experimento dramatúrgico nos EUA, porque o cinema americano quase não existe, derretido pelo medo do politicamente correto, esta praga que em breve terá destruído toda a criatividade ocidental, à semelhança da arte soviética. Qualquer artista que submeta sua arte ao projeto "para um mundo melhor" é um artista ruim.

A ideia de que há uma luta deste tipo é comum à filosofia, teologia e literatura. Dostoiévski diz algo semelhante nos "Irmãos Karamazov": "Há uma luta entre Deus e o Diabo e o placo é o coração humano".

Nos "Manuscritos do Mar Morto", textos judaicos datados do período em torno do nascimento da era cristã, encontrados em cavernas do mar Morto nos anos 40, afirma-se a mesma luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas. Nathan de Gaza, século 17, "profeta" do falso Messias Sabatai Tzvi, dizia que o mundo, assim como a alma de Tzvi, um melancólico, era dilacerado por forças antagônicas de luz e trevas. Vejo nisso uma poética da agonia como habitat da alma humana.

Rust Cohle é um detetive filósofo típico da tradição que vai de Sam Spade (interpretado por Humphrey Bogart) a Philip Marlowe (interpretado por Elliott Gould e Robert Mitchum). Niilistas, todos eles trazem a marca de uma visão pessimista sobre a humanidade.

Cohle, no primeiro episódio, afirma que é pessimista (e define essa condição como sendo "ruim em festas"). E afirma sua "cosmologia": a consciência humana é um erro da evolução.

Segundo nosso "true philosopher", todos pensamos que somos "eus", mas somos apenas seres que arrastam essa ilusão em meio a uma programação genética que nos obriga a sobreviver. Um diálogo entre o niilismo nietzschiano e o determinismo darwinista de Richard Dawkins não seria muito diferente.

De onde vem esse pessimismo que dá a esses detetives um tom maior do que meros personagens à procura de criminosos?

No caso especifico de Cohle, esse pessimismo vem de uma família de origem destroçada, de uma filha morta muito jovem, de um casamento destruído devido a esta morte, de muita bebida e muita droga, de quatro anos infiltrado no narcotráfico e de uma longa investigação entre satanistas, pedófilos "cristãos" e serial killers de mulheres (esta investigação é o conteúdo dramatúrgico dos oito capítulos da primeira temporada).

Entretanto, sua grandeza não é redutível às suas "pequenas causas" psicológicas. Se assim o fosse, ele seria apenas um deprimido. Sua grandeza como personagem se dá devido ao modo como ele constrói, a partir de sua miséria pessoal, um julgamento preciso da humanidade. Julgamento este que impacta por sua possível consistência.

Há uma questão maior aqui, e que une os grandes detetives nesta concepção niilista de mundo: a experiência com a (sua própria) natureza humana. Sim, natureza humana, este conceito que muitos "especialistas" teimam em dizer que não existe.

Não vou entrar nesta discussão sem fim, prefiro usar a ideia de natureza humana como "licença poética". Há muito que não me importo com debates "especializados".

Sabe-se bem, mesmo entre policiais na vida real, que a proximidade com a miséria humana mais pura pode levar alguém à descrença na natureza dos homens.

Ainda que, como bem mostram esses três personagens, isso não impede virtudes como coragem, generosidade, sinceridade, doçura. Muito pelo contrário, muitas vezes é justamente a dureza do desencanto com a natureza humana e o sofrimento psicológico que ela traz no cotidiano (como no caso de Cohle) que possibilita tais virtudes.

A virtude é silenciosa e cresce sempre num terreno que lhe é hostil. Máxima ignorada por todos que, principalmente em épocas do novo puritanismo político que assola o mundo da cultura, cantam seu amor e sua misericórdia pelo mundo e pelos que sofrem. O amor ao mundo deve ser escondido como uma pérola.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

"Não existindo um partido de direita, nem qualquer força política de direita organizada, nem muito menos poderes financeiros sustentando uma militância de direita, só resta à esquerda voltar suas baterias contra indivíduos, cidadãos isolados e sem qualquer respaldo político ou econômico -- jornalistas, escritores, blogueiros -- e atacá-los com a fúria e o desespero de quem defendesse a própria vida contra uma invasão imperialista ou um golpe militar. A quantidade de pavor imaginário que esses indivíduos despertam nas hostes esquerdistas -- bem como em pequenos grupos de extrema direita empenhados em mostrar serviço --, o volume dos recursos que se mobilizam para assassinar suas reputações, a obstinação devota que se consagra à criação de toda sorte de invencionices, calúnias e chacotas de mau gosto contra eles, constituem sem dúvida o capítulo mais abjeto da história da covardia universal -- algo que não se poderia passar, talvez, em nenhum outro país do mundo, e que as gerações futuras chegarão a duvidar de que possa ter acontecido. Completa o quadro, com um toque de grotesco incomparável, a omissão das Forças Armadas, dos generais, almirantes e brigadeiros que continuam batendo no peito e se pavoneando de glórias passadas, ao mesmo tempo que contemplam passivamente, felizes de não sofrer um só arranhão, o massacre daqueles homens e mulheres desarmados e sem meios de ação que ocupam a linha de frente em seu lugar." Olavo de Carvalho

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A VERDADEIRA DIREITA 
Olavo de Carvalho
 "O Globo", 5 de novembro de 2000 
"Se nas coisas que escrevo há algo que irrita os comunas até à demência, é o contraste entre o vigor das críticas que faço à sua ideologia e a brandura das propostas que lhe oponho: as da boa e velha democracia liberal. Eles se sentiriam reconfortados se em vez disso eu advogasse um autoritarismo de direita, a monarquia absoluta ou, melhor ainda, um totalitarismo nazifascista. Isso confirmaria a mentira sobre a qual construíram suas vidas: a mentira de que o contrário do socialismo é ditadura, é tirania, é nazifascismo. Um socialista não apenas vive dessa mentira: vive de forçar os outros a desempenhar os papéis que a confirmam no teatrinho mental que, na cabeça dele, faz as vezes de realidade. Quando encontra um oponente, ele quer porque quer que seja um nazista. Se o cidadão responde: "Não, obrigado, prefiro a democracia liberal", ele entra em surto e grita: "Não pode! Não pode! Tem de ser nazista! Confesse! Confesse! Você é nazista! É!" Se, não desejando confessar um crime que não cometeu, muito menos fazê-lo só para agradar a um acusador, o sujeito insiste: "Lamento, amigo, não posso ser nazista. No mínimo, não posso sê-lo porque nazismo é socialismo", aí o socialista treme, range os dentes, baba, pula e exclama: "Estão vendo? Eis a prova! É nazista! É nazista!" Recentemente, cem professores universitários, subsidiados por verbas públicas, edificaram toda uma empulhação dicionarizada só para impingir ao público a lorota de que quem não gosta do socialismo deles é nazista. Não se trata, porém, de pura vigarice intelectual. A coisa tem um sentido prático formidável. Ajuda a preparar futuras perseguições. Consagrado no linguajar corrente o falso conceito geral, bastará aplicá-lo a um caso singular para produzir um arremedo de prova judicial. Para condenar um acusado de nazismo, será preciso apenas demonstrar que ele era contra o socialismo. Hoje esse raciocínio já vale entre os esquerdistas. Quando dominarem o Estado, valerá nos tribunais. Valerá nos daqui como valeu nos de todos os regimes socialistas do mundo. Intimidados por essa chantagem, muitos liberais sentem-se compelidos a moderar suas críticas ao socialismo. Mas isso é atirar-se na armadilha por medo de cair nela. Já digo por que. Socialismo é a eliminação da dualidade de poder econômico e poder político que, nos países capitalistas, possibilita - embora não produza por si -- a subsistência da democracia e da liberdade. Se no capitalismo há desigualdade social, ela se torna incomparavelmente maior no socialismo, onde o grupo que detém o controle das riquezas é, sem mediações, o mesmo que comanda a polícia, o exército, a educação, a saúde pública e tudo o mais. No capitalismo pode-se lutar contra o poder econômico por meio do poder político e vice-versa (a oposição socialista não faz outra coisa). No socialismo, isso é inviável: não há fortuna, própria ou alheia, na qual o cidadão possa apoiar-se contra o governo, nem poder político ao qual recorrer contra o detentor de toda riqueza. O socialismo é totalitário não apenas na prática, mas na teoria: é a teoria do poder sintético, do poder total, da total escravização do homem pelo homem. A formação de uma "nomenklatura" onipotente, com padrão de vida nababesco, montada em cima de multidões reduzidas ao trabalho escravo, não foi portanto um desvio ou deturpação da idéia socialista, mas o simples desenrolar lógico e inevitável das premissas que a definem. É preciso ser visceralmente desonesto para negar que há uma ligação essencial e indissolúvel entre elitismo ditatorial e estatização dos meios de produção. O socialismo não é mau apenas historicamente, por seus crimes imensuráveis. É mau desde a raiz, é mau já no pretenso ideal de justiça em que diz inspirar-se, o qual, tão logo retirado da sua névoa verbal e expresso conceitualmente, revela ser a fórmula mesma da injustiça: tudo para uns, nada para os outros. Porém, no próprio capitalismo, qualquer fusão parcial e temporária dos dois poderes já se torna um impedimento à democracia e ameaça desembocar no fascismo. Não há fascismo ou nazismo sem controle estatal da economia, portanto sem algo de intrinsecamente socialista. Não foi à toa que o regime de Hitler se denominou "socialismo nacional". Stalin chamava-o, com razão, "o navio quebra-gelo da revolução". Por isso os socialistas, sempre alardeando hostilidade, tiveram intensos namoros com fascistas e nazistas, como nos acordos secretos entre Hitler e Stalin de 1933 a 1941, na célebre aliança Prestes-Vargas etc. Já com o liberalismo nunca aceitaram acordo, o que prova que sabem muito bem distinguir entre o meio-amigo e o autêntico inimigo. Por isso mesmo, é uma farsa monstruosa situar nazismo e fascismo na extrema-direita, subentendendo que a democracia liberal está no centro, mais próxima do socialismo. Ao contrário: o que há de mais radicalmente oposto ao socialismo é a democracia liberal. Esta é a única verdadeira direita. É mesmo a extrema direita: a única que assume o compromisso sagrado de jamais se acumpliciar com o socialismo. Nazismo e fascismo não são extrema-direita, pela simples razão de que não são direita nenhuma: são o maldito centro, são o meio-caminho andado, são o abre-alas do sangrento carnaval socialista. Os judeus, perseguidos em épocas anteriores, podiam usar do poder econômico para defender-se ou fugir: o socialismo alemão, estatizando seus bens, expulsou-os desse último abrigo. Isso seria totalmente impossível no liberal-capitalismo. Só o socialismo cria os meios da opressão perfeita. Não, a crítica radical ao socialismo não nos aproxima do nazifascismo. O que nos aproxima dele é uma crítica tímida, debilitada por atenuações e concessões. E essa, meus amigos, eu não farei nunca."